domingo, 29 de junho de 2008

Assassinato da Filosofia

Maria Luísa Guerra, Jornal Público, 28/o6/o8

Vai realizar-se no próximo mês de Julho, em Seul, na Coreia, o Congresso Mundial de Filosofia, organizado pelo FISF, organismo que concentra as sociedades dos professores de Filosofia do ensino secundário e do ensino universitário de todo o mundo. Tem a marca da globalização. E um encontro de tradições pedagógicas, de reflexão sobre a natureza e o papel da Filosofia na sociedade. Mostra o interesse dos vários países pelo problema. Mostra o que e evidente: o carácter vivo e actuante da Filosofia. O seu lugar insofismável na formação da mentalidade. Assim acontece no mundo.

E em Portugal? Em Portugal assiste-se ao inédito. Pela primeira vez em mais de um século (desde a reforma de Jaime Moniz, em 1895) destruiu-se decisivamente a Filosofia no ensino secundário. Podemos recuar mais atrás, a 1844, e mesmo aos Estudos Menores, criados pelo marquês de Pombal em 1799. Estudos onde figurava a disciplina de Filosofia Racional. Servia de acesso aos Estudos Maiores. Neste quadro de interesse global já referido, lembra-se também que a UNESCO instituiu o dia 15 de Novembro como Dia Mundial da Filosofia, congregando 36 nações.

E em Portugal? Em Portugal desvaloriza-se o exercício do pensamento, o rigor da análise, a descoberta de paradigmas e de valores, a discussão de problemas, a formação do espírito critico, a reflexão sobre a aventura humana, parâmetros específicos da Filosofia e do seu ensino.
Sabe-se que a finalidade do estudo em qualquer disciplina não e o exame. Mas também se sabe que, na prática, se não houver exame, os alunos não se interessam. Não estudam convenientemente. Residual e em vias de extinção a Filosofia no 12° ano. Obrigatória no 10º e 11° anos mas não sujeita a exame nacional. "Para que serve?" pensam os alunos.

É uma disciplina decorativa. Sem importância. Morta à nascença. Ainda se rege Filosofia na universidade nalguns cursos, cada vez mais despovoados. Com este vazio no ensino secundário, acabará de vez.
O sucesso escolar não e gratuito. Depende de currículos apropriados, mas depende sobretudo de cabeças bem-feitas, treinadas numa apurada e progressiva ginástica mental, no exercício da abstracção, da comparação, do dissecar analítico. Esse exercício cabe especificamente à Filosofia.

No limite, pela depuração que exige e supõe, aproxima-se da Matemática. Não é por acaso que grandes filósofos de referência (de Pitágoras a Descartes, de Leibniz a Russell) foram matemáticos. Tirar aos jovens esta ginástica mental é criar o caos. Multiplica-se no mundo a presença e o interesse pela Filosofia. Em iniciativas globais. De Paris a... Seul. Em Portugal, desvaloriza-se até à morte. Original. Pedagoga.

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